Outro tipo de parto: Adoção

Há tempos eu acompanho a história da minha querida Rubia Padilha – amiga scrapper/designer e mãezona. Torci com ela, fiquei ansiosa, triste, feliz com cada etapa da sua maternidade: desde a decisão da adoção até a chegada de Brian e, hoje, cada uma de suas gracinhas, descobertas e conquistas.

Ela topou generosamente – como lhe é peculiar, falar sobre sua maternidade, sobre a adoção e sobre esse aprendizado diário.

Vem ler esse relato emocionante! 

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Hoje o mundo discute entre parto normal e cesárea. Discute entre comprar ou adotar um animal. Discute sobre filosofias escolares, sobre como ser pai e mãe que trabalham e precisam deixar filhos o dia inteiro na escola. Discute se a criança precisa aprender Inglês, Espanhol, fazer natação, fazer judô ou se precisa, de fato, fazer algo além de ser criança. O que o mundo não discute, é uma terceira forma de “parto”: a adoção.

Há um ano e 5 meses eu o conheci. Era uma foto em preto e branco. Cara de quem tinha personalidade forte. Olhar brilhante! E, não, não foi amor à primeira vista. Foi medo. Pavor. Foi imaginar toda mudança da rotina da casa, de uma vida a dois (que estavam com uma viagem para Europa toda programada e paga, por sinal), a qual estávamos acostumados por mais de 10 anos. Foi se deparar com o “finalmente aconteceu”. Toda a ansiedade e felicidade travada na garganta. Todo julgamente alheio (e perguntas indiscretas). Além dos “e se não fosse pra frente?”, “e se ele não gostasse de nós?” “e se nos dedicássemos e algo desse errado?”.

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Foi só depois de alguns encontros (nem tantos assim, devo admitir) que o amor de fato surgiu. Foi na hora do primeiro abraço, do primeiro “não quero que você vá embora. Vem morar aqui comigo.”. Foi na hora que eu entendi que essa era a realidade do meu filho: achar que a vida no abrigo era a única vida existente – e que percebi que eu queria mudar essa realidade a todo custo. Eu não queria deixar mais meu coração num lugar longe do meu corpo. E dai eu entendi que amava – foi meu exame de farmácia confirmado com exame de sangue positivo: eu estava grávida e encantada por ele.

Depois disso, cada encontro era uma ultrassonagrafia. Ele me mostrava (mostra diariamente, na verdade) como eram os dedinhos dele quando me fazia carinho. Me mostrava o peso quando subia no meu colo. Me mostrava o coração batendo forte de felicidade. E os pulmões funcionando a todo vapor com cada risada compartilhada por nós três. Cada palavra trocada foi uma “mexida” na barriga. Até que chegou o dia de trazê-lo pra casa e ele se pendurou no meu pescoço como quem dizia: “me leva agora, por favor.”. E nós o trouxemos.

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E nós o trouxemos… E aqui eu falo por experiência de quem ficou quase 4 anos numa fila de espera (coincidemente* o mesmo tempo que meu filho estava no abrigo): adoção no Brasil não funciona como as novelas e os sites de celebridades apresentam. Não. Adoção no Brasil dói. É uma espera dolorida. Algumas crianças vão pro abrigo com meses e saem de lá, se derem sorte, já no que chamam de “adoção tardia”. Se derem sorte, eu digo, afinal, poucos são os que na hora de preencher a temida ficha de adoção, escolhem além do famoso “bebezinho – de preferência menina, sem doenças, até 11 meses e cor de pele clara”. Eu fui além disso e, ainda assim, demorei 4 anos pra conhecer esse que hoje eu chamo de filho. Esse serzinho que, mesmo com quase 4 anos, bagunçou meu dia-a-dia, me deixou sem dormir noites e me acordou de madrugada. E me fez temer errar. E fez com que eu julgasse cada ato meu 50x pra ter certeza de que era o certo.

E nós o trouxemos… E outra coisa que as novelas não mostram: toda bagagem que uma criança adotada traz. Por mais que eu, como mãe, não aceite que tratem meu filho de forma diferente por ser adotado, ele traz, sim, diferenças com ele. Diferenças que eu talvez nunca consiga curar. Diferença de quem foi deixado e os famosos “você nunca vai me deixar, né, mamãe?”, “eu estou bonito?”, “a gente agora é uma família?”, “agora eu tenho uma família!” (ponto de exclamação mais lindo nesse momento), dentre tantas outras. Se doeu em mim, adulta, casada, criada, profissional toda essa espera, nós não imaginamos o quanto dói para essas crianças. Mas vale cada etapa vencida. Vale a primeira vez que, sem pressão, simplesmente por sentir, ele te chama de “mãe”. Ou que ele retribui o “eu te amo”. O boa noite cheio de chamego. A hora que ele te procura, entre tantos outros rostos, quando se machuca e só teu beijo “cura” o machucado – e, sim, nisso meu filho é igual a todos os outros que nascem de parto normal ou cesárea – ele tem manha que só mãe consegue curar.

E nós o trouxemos… E não foi nada fácil. Ainda não é. Teve vez que esperei ele deitar e chorei com marido perguntando como mudaríamos o fato dele não entender o quanto é amado e isso acarretar 52581616 coisas. Teve vez que não consegui esperar, chorei na frente dele e ele mesmo veio e secou minhas lágrimas, me abraçou e me acalmou. Mas, também, houveram vezes (e elas são a maioria, ainda bem) em que gargalhamos de chorar e tudo fez sentido. Toda espera fez sentido. Ele era nosso antes de ser nosso. Ele estava aqui (e esteve na viagem pela Europa que, sim, nós acabamos fazendo só os dois) antes de estar. Nós esperávamos por ele, antes mesmo de conhecermos esse rosto desafiador que ele tem e esse olhar brilhante e cheio de vida e curiosidade que ele carrega. Foi por causa dele que a palavra “mãe”, aquelas que os filhos de parto normal/cesárea normalmente falam antes de todas outras, encheu meu coração e transborda dia após dia.

E nós o trouxemos… E buscamos todos dias uma “normalidade” nas nossas vidas, como todas outras famílias. Não é tão simples, como propaganda de margarina, novelas e vida de celebridades, mas é tão bom por ser certo, por fazer sentido. É certo nos dedicarmos 100% a ele. É certo querermos e lutarmos pra que ele seja aceito. É certo lutarmos e repetirmos (quase que) diariamente pra que ele entenda que “a família da Peppa é de porquinhos e todo mundo precisa de uma família – e família nunca abandona, né, mãe?” “sim, é filho. nós somos uma família e família nunca abandona” (engole choro, acha uma forma disfarçada de limpar a lágrima).

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E nós o trouxemos… E na hora que, depois de alguns meses, chega aquele documento lindo com teu nome nele e, quando perguntado, ele responde “meu nome é Brian” e junta a isso e a tudo que viveu teu sobrenome, sobrenome do marido, letrinha por letrinha fazendo sentido? O coração fica ainda mais festivo do que Copacabana na virada de ano. :)

Eu não sou só uma mãe que adotou e meu marido não é só um pai que adotou. Nós somos os pais do Brian e nós fomos adotados. Na verdade, nós três nos adotamos. E é diariamente. Nós somos um time (e usamos essa analogia com ele, inclusive). Nós lutamos juntos para que seja feito o melhor por nós três. Nós já éramos uma família quando decidimos ser dois. E quando Brian nos conquistou e se permitiu ser conquistado, nós transformamos nossa família e essa família virou um super núcleo que funciona 24/7. E esse, sim, é o verdadeiro “na alegria e na doença…”.

* se você acredita em coincidências ;)

Fotos Ju Kneipp

Ru,
você e o Di são pessoas iluminadas e abençoadas. Brian os escolheu e nem tem noção ainda de como essa escolha lhes brindará por toda a vida.
Obrigada por topar escrever para o blog.

Beijos
Lele

15 comentários em "Outro tipo de parto: Adoção"

  1. Que lindo, Le! Me emocionei aqui! Que o Brian e sua família sejam muito felizes! beijo e ótima semana!!

    1. Lindo mesmo.
      Eu leio e choro…
      Eles são especiais!
      bjs

  2. Rita Spinoso Massela disse:

    Já conhecia e acompanho essa história linda, pela qual, mesmo quietinha, sempre torci muito e vibrei com cada conquista! Muito emocionada com esse relato! Inspirador!

    1. Pois é Ritinha! Relato de amor… puro!
      Bom ter você por aqui.
      beijos

  3. Relato, lindo, Lelê. Parabéns ao Brian e sua família.

    1. Lindo mesmo né? Me emocionei muito.
      bjs querida

  4. José Pedro disse:

    Sds !!

    Já ouvi falar muito de adoção, sempre, sempre, sempre de como tudo é lindo e maravilhoso.

    Mas questiono: tudo é sempre assim ?
    E o lado B dessa história, principalmente nas adoções tardias ?

    Creio eu, sem querer ser o lobo mau, que é para essas situações que devemos ser preparados, muito preparados, e que todos devem saber que existem.
    E onde devemos buscar socorro, além do Além !!

    1. Ola Jose Pedro.
      É um ponto de vista, mas ainda bem que existem pessoas livres desse preconceito e dispostas a adotar.

      1. José Pedro disse:

        Sds !

        Helena, realmente ainda bem que há pessoas despidas de preconceitos … inclusive desses.

        Eu e minha esposa adotamos um casal de irmãos a 8 anos atrás ….. e sim, foi e está sendo algo de grande “perrenho”.

        Eles já chegaram grandes (6 e 8 anos – adoção tardia). Hoje estão com 13 e 16.

        No começo tudo lindo, mas não demorou para as personalidades e o histórico de cada um vir a tona.

        Não foi e não está sendo fácil !!!

        E muitas vezes nos sentimos sozinhos, porque é profissional aqui, outro ali, que desiste, não se interessa, não ajuda.

        Agora estamos indo para terapia familiar total porque temos que entender que fazem 8 anos que estamos no caminho contrário.

        Temos que voltar e recomeçar algo.

        Forte abs !!!

  5. Ester Dutra disse:

    amor é amor e vindo de uma verdadeira família sem cor,raça e qualquer tipo de preconceito melhor ainda amor emoção
    e inspiração

    1. Isso mesmo Ester.História de amor!
      bjs

  6. Cynthia disse:

    Ruh, minha querida, pra quem vem acompanhando desde muito antes dele aparecer nas suas vidas…..nao tem como nao ficar feliz ate o ponto da lagrima- Peco a Deus me dar uma outra opprtunidade de passar pelo Brasil e conhecer vcs em pessoa –

    1. Cynthia,
      tomara que você conheça eles…
      Obrigada pela visita
      bjs

  7. Giseli Freitas disse:

    “A Vida de Brian”…. essa frase já não representa pra mim apenas um dos meus filmes de humor favoritos. ;)
    Representa uma história linda, de corações felizes.
    Uma história muito emocionante. <3
    Bjo

    1. Isso mesmo Giseli!!
      Obrigada pela visita ao blog.
      bjs

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